domingo, 31 de maio de 2009

Entrevista com Junior Cigano,

Foto: Lorena Loureiro


Catarinense radicado em Salvador, Junior “Cigano” dos Santos é considerado atualmente a maior revelação brasileira entre os pesos pesados no MMA (Mistura de Artes Marciais, antigo vale tudo). Lutador do UFC, Cigano tem 1,94m, 110 quilos e um cartel com oito vitórias (6 nocautes e 2 finalizações) e uma derrota. Luta pela Minotauro Team e sua maior vitória foi o nocaute em cima do consagrado Fabrício Werdum, campeão mundial de jiu-jítsu e que disputaria o cinturão do UFC caso vencesse Cigano. Conheça melhor o atleta e o esporte nesta entrevista ao repórter Éder Ferrari concedida na última semana.

Bahia Notícias – Como e quando você iniciou sua carreira?


Júnior Cigano - Logo quando cheguei a Salvador eu fui garçom. Comecei a trabalhar numa loja de brinquedos e, em abril de 2005, eu passei a treinar Jiu-Jítsu em uma academia normal. Fui me destacando, apesar de nunca ter praticado uma arte marcial. O professor Iuri Calton viu meu empenho e me convidou pra treinar na equipe. Mais ou menos depois de três meses de treino de Jiu-Jítsu, me levou pra fazer os treinos de submission e de Vale tudo, que rolavam à tarde nessa mesma academia. Eu gostei. Ele disse que eu levava jeito, então fui treinando, treinando, gostando e, com mais ou menos um ano de treino, ele disse que eu podia arriscar fazer uma luta. Foi o que aconteceu. Fiz uma luta em Julho de 2006 e acabei ganhando. Assim... não estava bem preparado, mas ganhei, e foi aí que começou tudo. Desde então, não quis mais parar de treinar. Tenho quatro anos de treino, mas são quatro anos de treino mesmo, sem parar, todos os dias. Eu só paro mais ou menos 10 dias depois das lutas e volto a treinar novamente.

B.N – O esporte ainda é marginalizado no Brasil?

Cigano - Aqui no Brasil ainda existe preconceito. No mundo também existe, mas já melhorou demais. Nos EUA, por exemplo, é um esporte de primeira linha. É um esporte agressivo, mas não é violento. O atleta tem que treinar muito, quem quer ser um atleta de MMA, tem que gostar mesmo do que faz e tem que treinar demais, porque as dificuldades são grandes pra você alcançar um bom lugar. Eu, graças a Deus, tive sorte de fazer boas lutas, vencer a maioria delas, sempre no primeiro round, até quando eu perdi foi no primeiro. O MMA, o pessoal aqui no Brasil chama de vale tudo, mas na verdade não é. É a mistura das artes marciais e tem suas regras bem definidas: não pode golpes baixos, assim como nos outros esportes, mas, como engloba todas as artes marciais, é permissível algumas coisas que na maioria das outras artes não pode, como cotovelada, essas coisas assim. Em alguns eventos pode chute, joelhada na cabeça, depende do evento.

B.N – Quais são as principais regras do MMA?

Cigano - O UFC (Ultimate Fighting Championship) hoje em dia é o evento que comanda. É o carro de frente do MMA no mundo. Então, o pessoal viu que está dando certo e todo mundo querendo seguir o jeito do UFC de fazer o MMA, adaptando o octógono (arena de luta que tem este formato geométrico específico). No UFC, você luta na jaula, no Japão normalmente luta no ringue, mas já estão mudando isso também, se adaptando, seguindo as regras do UFC. Até no Japão, que sempre foi mais liberal nas regras. Sobre o cotovelo, tem um jeito especifico de bater, não pode bater de qualquer jeito. Se o cara está no chão, você não pode bater com o cotovelo de cima pra baixo, só pode no sentido lateral do rosto, se não bater de lado é falta, então é bem complexo, tem várias regras. Tem os três apoios. Quando o lutador tem três apoios no chão não pode tomar joelhada no rosto nem chute, que só vale de dois apoios e em pé. Cabeçada não pode, além daquelas coisas que não existem em nenhuma arte marcial como dedo no olho, mordida, puxar o cabelo, entre muitas outras.

B.N – Você começou no Jiu-Jítsu, mas em suas lutas tem ganho com nocaute. Qual sua especialidade?
Cigano - Eu realmente comecei no jiu-jítsu, mas depois da primeira luta mestre Iuri me apresentou ao professor Luís Carlos Dórea, que todo mundo sabe quem é, já que é o grande nome do boxe no Brasil e um dos melhores do Mundo. A partir desse momento, não parei de treinar boxe todo dia de manhã na (academia) Champion, aqui em Salvador. Por isso, hoje eu consigo desenvolver (boxe) mais que o jiu-jítsu. Tenho mais facilidade em lutar em cima. Prefiro até que a luta se desenrole desse jeito do que no chão. Mas eu treino com os irmãos Nogueira hoje em dia. Minotauro e Minotouro me dão uma grande força. Eu ainda não tive a oportunidade de mostrar o meu chão. Sou faixa roxa do professor Iuri, mas meu nível de chão pro MMA é bom.

B.N - Muitos questionam sua qualidade no chão por suas lutas sempre terminarem na trocação (troca franca de golpes com os dois lutadores de pé) e porque sua única derrota foi em uma finalização até fácil do seu adversário (Joaquim Ferreira, em outubro de 2007).


Cigano - Até no jiu-jítsu normal eu consigo ir bem, só que, como todo mundo sabe, luta é luta. Foi um vacilo que aconteceu naquele caso. Também é bom lembrar que eu já havia vencido esse lutador em outra ocasião e realmente naquele dia foi o dia dele, ele teve sorte. Mas eu já enfrentei lutadores até melhores que ele no chão, como Jair Sorriso, que é faixa preta, campeão mundial, e no inicio da luta ele me botou pra baixo e não conseguiu desenvolver. Eu me virei legal e nocauteei. Até mesmo com o Fabrício Werdum, que é uma referência no jiu-jítsu, a luta foi rápida, mas houve um momento da luta que ele tentou me clinchar (travar o adversário impedindo o desenvolvimento da luta) e era a área dele, entendeu? Desenrolei bem ali. Não me preocupo em ir pro chão. Se a luta for pro chão eu não me preocupo, vou fazer meu chão, sei que tenho condições de me defender bem e posso até finalizar.






B.N – Como é sua rotina de treinamento?

Cigano - Aqui em Salvador eu treino boxe todo dia de manhã na Champion de segunda a sábado e Muay Thai na terça e na quinta. De noite eu vou para a Academia da Praia (localizada na Pituba, ao lado do Colégio Integral), onde segunda, quarta e sexta eu faço a parte de jiu-jítsu com o professor Iuri, e terça, quinta, e sábado à tarde faço a parte de preparação física com André Piculo. Mas, quando eu me preparo pra um luta, gosto de ir pro Rio (de Janeiro) também. Lá faço preparação física com o professor Dragos, que é o mesmo preparador de Minotauro, Belfort, de Minotouro. “Afino” (melhoro) o chão, que no Rio ainda está mais avançado que aqui em Salvador, mas Salvador está no caminho certo. Aliás, nós temos grandes atletas aqui no jiu-jítsu.


B.N – Qual sua categoria de peso e sua alimentação?


Cigano - Eu sou peso pesado, que tem o limite de peso de 93 até 120 quilos. Eu peso normalmente 110 e gosto de lutar com 108 quilos mais ou menos. Não tenho problema de perder peso; a alimentação eu procuro fazer da melhor forma sem evitar nada, só regrar bem pra ser saudável.


B.N – Quando você começa a focar o treinamento para a próxima luta?


Cigano - Eu geralmente começo meu treinamento três meses antes da luta fazendo bastante força na preparação física, treinando bastante a parte técnica tanto do boxe quanto do jiu-jítsu e Muay Thai. Faltando dois meses, eu começo a fazer o sparring (lutar com um adversário real, mas que não agride, apenas recebe os golpes). Com um mês e meio eu começo a fazer o sparring mais duro, com peso pesado mesmo, fazendo como se fosse a luta. Faltando um mês o ritmo acelera pra chegar até o meu máximo tanto na preparação física quanto nas artes. No boxe, jiu-jítsu e muay thai é a hora que dispara tudo pra puxar bastante meu gás, puxar bastante a forma de como vai ser a luta. Sigo isso até chegar um determinado ponto de quase exaustão mesmo. Mais ou menos duas semanas antes eu começo a diminuir o ritmo, ainda fazendo toques, sparrings, mas não com tanta agressividade, mais tranquilo. A semana da luta passo na cidade aonde irá acontecer a luta. Já é mais tranqüilo, mais pensando na luta, então treino uma vez por dia só pra manter realmente o ritmo.

B.N – Quando será sua próxima luta e contra quem?
Cigano - É o americano Justin McCully. Tive dando uma olhada nos vídeos dele. É das antigas, lutava no Japão. É um cara bom de wrestling (luta Greco-romana), chuta bem, já treinou bastante muay thai, a trocação dele é boa, mas a parte mais perigosa dele que eu considerei foi o chão e o wrestling. Então, mais uma vez, vou tentar desenvolver a luta em cima, tentar usar o nosso boxe para conseguir definir a luta. Ele é um cara bastante duro, acredito que a luta vai ser muito boa. O evento vai ser o UFC 102 Couture vs Nogueira, em Portland, Oregon, nos Estados Unidos, dia 29 de agosto.

B.N – Você falou do Rodrigo Minotauro Nogueira. Se ambos vencerem suas lutas, podem acabar em rota de colisão. Você o enfrentaria?

Cigano - O pessoal gosta de sondar essas coisas, mas eu tenho um respeito muito grande por ele. Acredito que eu estou lá porque ele me ajudou, ele e o irmão dele. Os professores Dórea e Iuri me deram a oportunidade e me ajudaram, se empenharam em mim pra eu poder chegar lá em pouco tempo. Então eu o tenho, além de ídolo, um grande irmão, um amigo de coração mesmo. Eu nunca lutaria com ele, independente de dinheiro. Quem me conhece sabe disso, eu não luto com ele de forma alguma!


B.N – Você não acha que esse tipo de comportamento vai de encontro ao profissionalismo pregado pelo esporte?

Cigano - Eu acho que não porque no MMA as lutas ainda são casadas. O evento faz as lutas conforme eles querem, não é uma competição aonde você vai se graduando até sair um vencedor. Nós temos o exemplo do próprio Brock Lesnar, que tem apenas três lutas e é o campeão peso pesado do UFC hoje. Então isso não é como o futebol, que irmão joga contra irmão. Se der, prefiro evitar um confronto com uma pessoa que é tão querida pra mim e próxima. Vou tentar que não aconteça essa luta e provavelmente não vai acontecer, até o próprio evento sabe disso. Nossos empresários são os mesmos e sabem disso. São eles que fecham as lutas, então acredito que por esse motivo não aconteça esse confronto. O esporte, como você disse, pode exigir esse profissionalismo de enfrentar quem você gosta, mas eu acho que isso tendo como ser evitado, melhor né?





B.N – Você achou justo terem colocado o Brock Lesnar para disputar o cinturão com um cartel de uma vitória por pontos e uma derrota por finalização no primeiro round?


Cigano - Como eu falei, no MMA, as lutas ainda ocorrem como o público pede e o próprio Lesnar é um cara muito famoso no mundo. Ele veio do pro-wrestling, que aqui nós chamamos no Brasil de “Telecatch” e vende muito. O público queria vê-lo lutando contra os melhores. Colocaram. Não sei se ele merecia ou não, a decisão é deles, então a gente não tem muito o que fazer. Eu fiquei indiferente, porque se ele não tem condições de ser o campeão logo vai perder. Ele se mostrou um bom atleta, determinado, veio de um negócio que é meio teatro e conseguiu se dar bem no mundo real da luta. Acredito que logo a casa dele vai cair. Se ele pegar Minotauro, ele perde!


B.N – O que acha de uma luta contra ele?

Cigano - Eu gostaria de lutar com ele. É um cara que é bem pesado, realmente é rápido pro peso dele, mas eu não vejo toda essa rapidez nele não. Acho que o trabalho pra ganhar dele é em cima. Ele é duro, pega pesado, mas eu acredito que tenho condições de vencer ele sim, com um trabalho certo na trocação, poderia ganhar dele.


B.N – Muitos lutadores migraram para os Estados Unidos em busca de melhor estrutura. É o caminho natural?

Cigano - Se me perguntam isso, eu falo que gosto muito de treinar aqui em Salvador, mais até do que no Rio, que tem bons treinos e tenho que ir pra lá. O Minotauro tem academia nos EUA. Vai fazer o treinamento dele pra lutar contra o Couture lá e me convidou pra ir. Ainda não quis e falei com ele que eu vou em julho. Vou fazer a primeira parte do meu treinamento no mês de junho no Rio. Preparação física, ganhando forças, ficando mais forte, e em julho, provavelmente, estarei indo para Los Angeles, onde vou ter o apoio do Anderson Silva (campeão da categoria até 84 quilos), do pessoal da Minotauro Team. Mas quanto a ir morar nos EUA, eu acredito que não. Eu gosto muito de me sentir em casa e pra isso tenho que ficar aqui em Salvador.


B.N – O que aconteceu com o Minotauro em sua última luta, quando foi derrotado sem muito esforço pelo americano Frank Mir?


Cigano - Ele até não gosta de falar disso, o bicho é casca grossa mesmo, mas é a verdade, a gente não pode ocultar. Realmente (Minotauro) teve um problema de saúde. Ele pegou uma bactéria vinte dias antes da luta e ficou internado cinco dias no hospital sem fazer nada, tomando remédio. Isso, com certeza, acabou com ele. Quem conhece Minotauro viu que não era ele lutando, ele não conseguiu mostrar o lutador que é. O Frank Mir aproveitou a oportunidade numa luta que se os dois estivessem bem preparados, eu acredito que o Mir não teria condições de vencê-lo. Essa também é a visão da maioria do pessoal. O Rodrigo é um dos grandes nomes, sempre foi, e junto com o Emilianenko Fedor (russo tido como o melhor peso pesado do mundo, mas que não luta no UFC por problemas contratuais) são os dois melhores lutadores da categoria.


B.N – Em sua última luta, muitos viram semelhanças em seus golpes com os do Fedor no momento que você finalizou o combate. Você procura utilizar o estilo dele ou foi apenas coincidência?


Cigano - Quanto à semelhança dos golpes eu acredito que foi coincidência porque eu usei bastante os cruzados, porque o cara que eu lutei, o Stefan Struve, tem 2,11m de altura. Eu estava receoso, achando que não conseguiria chegar perto dele, que ia me manter na distância. Ele me deixou encurtar a distância e eu aproveitei. Achei que foi um erro dele e tentei aproveitar da melhor forma, que foi desferindo vários golpes ao mesmo tempo. Então, realmente, eu ouvi alguns comentários do pessoal achando parecido, mas foi apenas uma oportunidade na luta.





B.N – Em uma hipotética luta contra o Fedor, qual estratégia você utilizaria para tentar vencê-lo?

Cigano – Quanto ao Fedor, eu acho que Andrei Arlovski (bielorrusso nocauteado por Fedor no primeiro round em luta ocorrida em janeiro no evento Affliction), mostrou qual o defeito dele. É um excelente lutador, agora eu acho que com a estratégia certa tem como vencê-lo em pé. O Arlovski conseguiu se colocar muito bem contra ele, estava vencendo nos primeiro estantes da luta, e, de repente, acredito que em uma atitude impensada, de vontade de acabar a luta logo, tentou uma joelhada voadora e tomou um direto. Como a gente sabe, o Fedor é o cara, número um do mundo dos pesos pesados, tem a mão pesada, mas eu acho que o caminho é aquele, é treinar, marcar uma estratégia e segui-la e não sair dela, como fez o Andrei Arlovski. Tem que bater nele em cima mesmo, não deixá-lo encurtar, porque ele derruba muito bem. O Sambo é a especialidade dele e é uma luta bastante dura, mas que deixa brechas, e o caminho é bater nele em cima fora do seu raio de alcance.


B.N – O que falta para o MMA ter no Brasil a mesma popularidade que tem em outros países do mundo como Estados Unidos, Japão, Inglaterra e Canadá, por exemplo?

Cigano - Aqui no Brasil falta à mídia ajudar. Temos o canal Première Combate (canal fechado da Globosat) que é um grande sucesso. Um canal só de luta que tem uma grande audiência e transmite o UFC. Sem um pouco de apoio de empresários e da mídia fica difícil. A gente não gosta do que não conhece. Gostamos do futebol porque a gente vê o futebol em tudo, em todos os horários, em qualquer jornal passa futebol. Então, acaba entendendo de futebol. Se as pessoas entenderem de luta, elas vão gostar da luta, vão admirar o cara conseguir chegar ou sair de uma posição difícil, uma boa seqüência em cima. Vão saber de toda dificuldade e esforço do lutador no dia a dia, os sacrifícios que precisam ser feitos. Então, acredito que com o apoio da mídia e dos empresários podemos ser maiores também na audiência e credibilidade.

bahianoticias.

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