sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O que faz do vale-tudo uma luta apaixonante



Para entender a paixão que faz do vale-tudo um sucesso de público, o repórter de ÉPOCA entra no octógono para enfrentar Wanderlei Silva, um dos maiores campeões desse esporte “Tem certeza?” Agora percebo quanto fui desajuizado ao dizer sim a Wanderlei Silva. “Sim, vou lutar vale-tudo com você”. Silva, curitibano de falar “leite quennnte”, é um dos astros do Ultimate Fighting Championship (UFC), o torneio entre especialistas de diferentes artes marciais. Silva vive, bem, em Las Vegas, desde que assinou com o UFC, há um ano e meio. O crescimento da marca é inegável. Quando foi arrematado pelos atuais donos, em 2001, o UFC valia US$ 2 milhões. Não passava de uma “rinha de galos humana”, nas palavras do senador John McCain. Hoje, asseptizado, com regras rígidas e médicos à beira do ringue, vale mais de US$ 1 bilhão. As bilheterias dos eventos, realizados em cassinos de Las Vegas, esgotam-se com meses de antecedência.

Silva está no UFC porque é... uma lenda. No Japão, onde viveu a primeira fase da carreira, derrotou gigantes das artes marciais, como o japonês Kazushi Sakuraba, apelidado Gracie Killer por ter derrotado meia dúzia de membros do famoso clã Gracie de lutadores brasileiros. Aos 32 anos, Silva aparece em anúncios de suplementos alimentares, bebidas energéticas e óculos de sol. Um bonequinho com seu nome e forma em miniatura é vendido nos Estados Unidos, onde ele acaba de abrir a primeira academia. Centenas de alunos estão na fila de espera. No espaço de 3.000 metros quadrados, há uma réplica do ringue octogonal usado nas lutas do UFC. Pergunto a Silva se podemos treinar ali. Depois de me inspecionar com o olhar, ele concorda.

No octógono, meu riso nervoso é o único som sob a luz fria dos holofotes. Meus pés agitados são o único movimento sobre o delicado veludo azul que cobre o tablado. Do outro lado do ringue, por baixo de sobrancelhas rústicas, dois olhos acompanham divertidos meu horror. Tento imaginar o que Wanderlei Silva pensa de seu novo sparring – eu, um jornalista molenga, vilmente acima do peso (estou com 110 quilos, 12 a mais que o normal) e sem qualquer treinamento em artes marciais. Antes de começar, ele faz uma pequena preleção. Vamos simular uma luta, sem machucar. Antes de tocar minha luva – em sinal de respeito – e começar o treino, ele faz uma ressalva, que seria repetida algumas vezes mais tarde: “Pode encostar. Na cara, não”.

Na antiga academia de Silva, a Chute Boxe, de Curitiba, o primeiro dia de um novato era comemorado com um nocaute. (Assim como o segundo, o terceiro... Até o aprendiz conseguir se defender.) As orelhas de Silva são irremediavelmente deformadas, resultado do excesso de entusiasmo nos treinos de jiu-jítsu. Os contornos do rosto, os lábios, a testa, tudo é ligeiramente caricatural. O que sustenta seu semblante, por baixo da pele, é o acúmulo de cicatrizes em ossos e cartilagens. Durante uma de suas lutas, abriu um corte na própria testa ao golpear o adversário com cabeçadas. Continuou até a intervenção médica. Pelo corte, era possível ver uma superfície esbranquiçada – o crânio de Silva.

“Vou te dar a faixa preta em duas horas”, diz Silva, rindo. “Tomara que não seja um olho preto”, penso. Uma das formas menos perigosas de levar uma briga é se agarrar ao adversário. Sem espaço não há golpes. Existe, no entanto, uma luta contínua pela supremacia da pegada. É a chamada “esgrima”. Silva me ensina a pegada básica: uma mão na altura das costelas, a outra no ombro. O objetivo é unir as duas nas costas do adversário para, com a projeção certa do corpo, jogá-lo de cara no chão.

É o que Silva faz comigo.

Estatelado no ringue, lembro-me do que disse um amigo. “Se fosse você, eu chamaria meu advogado para acompanhar a luta.” Sobre mim estão os 92 quilos de um homem nascido para brigar. Sem sucesso, faço força para girá-lo. Insisto mais um pouco, virando meu corpo com a ponta dos pés. Ele antevê meu movimento e aplica uma de suas famosas triangulações com as pernas – me enforcando com as coxas. Com a cabeça pendurada, sinto meu coração saltar. Executo a única manobra que domino totalmente: os três tapas no chão, sinal de que desisto.
As outras partes: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI27169-15228,00-OS+MOTIVOS+QUE+FAZEM+DO+VALETUDO+UMA+LUTA+APAIXONANTE.html

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