RIO - Os lutadores mais temidos do planeta não ousam enfrentá-lo. Os que o fizeram, como os campeões Tito Ortiz e Randy Couture, voltaram atrás. Eles podem ter a força, mas Dana White, de 41 anos, o presidente do Ultimate Fighting Championship (UFC), tem o poder. É ele quem controla o dinheiro, sem jamais revelar cifras. Nesta entrevista exclusiva, por telefone, o chefão diz não haver limites para seu esporte e prevê o fim do boxe: "MMA é onde o dinheiro sempre estará".
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Primeiramente, o UFC comprou o Pride, depois o WEC (World Extreme Cagefighting), agora o Strikeforce... Como você explica essa estratégia do UFC de lidar com a concorrência simplesmente incorporando todos os eventos à sua marca?
DANA WHITE: Vocês esqueceram também do WFA (World Fighting Alliance), que nós também compramos. Eu encaro isso de uma forma bem realística. Muitas pessoas dizem "eles estão tirando a concorrência do caminho, coisa e tal..." Mas se eles fossem realmente uma concorrência, jamais teríamos como comprá-los, me entende? A realidade é que o MMA é um negócio muito difícil de se estabelecer. E muitos desses caras começaram a queimar dinheiro. É difícil estar nisso.
Diante dessa estratégia agressiva, pode-se dizer que o UFC é mais negócio ou esporte?
DANA WHITE: Esporte. Nosso objetivo quando adquirimos o UFC foi construir um esporte. E, para que isso aconteça, todos os praticantes no mundo devem competir sob as mesmas regras. É nisso que estamos trabalhando desde então. Para que todo país, seja acompanhando ao vivo ou pela TV, entenda como funciona o MMA (Artes Marciais Mistas, sigla em inglês).
Mas quando vocês começam a comprar todas as marcas não ficam mais distante desse conceito de esporte, como se o MMA se resumisse apenas a uma liga?
DANA WHITE: Não penso assim. O futebol americano, por exemplo. Quando você imagina o esporte, você pensa na NFL. Se você pensa em beisebol, logo imagina a Major League Baseball, etc, etc... O UFC é apenas a liga mais importante do esporte MMA.
Qual a importância do reality show The Ultimate Fighter para a popularidade do UFC, não apenas nos Estados Unidos?
DANA WHITE: É enorme. O Ultimate Fighter tem sido fantástico para nós, em diversos nível. Ele torna lutadores em verdadeiras estrelas em apenas 13 semanas. E expõe o MMA e o UFC para milhões de fãs em todo o planeta.
É verdade que há planos para que uma das próximas edições seja rodada no Brasil?
DANA WHITE: Sim, temos planos de levar o Ultimate Fighter não só para o Brasil, mas para vários países do mundo. Mas não acho que seja este ano. Estamos fechando uma edição nas Filipinas e talvez no próximo ano possa ser no Brasil.
Embora lide diretamente com alguns dos lutadores mais temidos e agressivos do mundo, eles não costumam descumprir suas ordens. Seria por que você é o homem do dinheiro?
DANA WHITE: Não sei se é porque sou o homem do dinheiro (risos). Não importa como as coisas funcionem. A verdade é que todo mundo tem um chefe. Eles trabalham para o UFC, eles vêm para cá, eles representam o nosso esporte e a nossa empresa. Todo mundo tem de se reportar a alguém. E eu sou o chefe aqui.
Como é o estilo Dana White de administrar?
DANA WHITE: Seja qual for a situação, seja o que for que eles tenham feito, nos fechamos numa sala e eu mostro a eles exatamente o que penso, o que sinto, o que espero de cada um. Pessoalmente, espero que as pessoas, dentro ou fora do octógono, representem o UFC, o cinturão, caso seja campeão, e o próprio esporte, como um atleta profissional e como uma boa pessoa. Se o lutador fizer assim, vamos conviver muito bem. Eu amo a maioria destes caras. Ou melhor: eu amo todos estes caras. Eles lutam para nós, mas eu também posso dizer que o UFC sabe tomar conta deles.
Você diz que "ama os caras". Como não levar eventuais desavenças para o lado pessoal?
DANA WHITE: Para ser bem sincero, algumas coisas que acontecem nesse negócio, entre mim e os caras, ficam como pessoal, sim. Mas você não pode atrapalhar os negócios por questões pessoais.
Vocês estão trazendo um novo meio de interatividade para o UFC RIO (em agosto), aceitando sugestões para o card através da internet. Já existe alguma decisão sobre o card principal?
DANA WHITE: Meu trabalho é pôr no octógono as lutas que os fãs querem ver. É nosso primeiro evento no Brasil (houve uma edição do UFC em São Paulo, em 1998, mas ainda sob administração dos Gracie) e tenho que montar um card, que agrade não apenas os brasileiros, mas também as pessoas nos EUA, na Inglaterra, na Austrália e etc... Então, tenho de montar um card que faça brasileiros comprarem ingressos e que as pessoas do resto do mundo também queiram ver pela TV.
Anderson Silva contra o canadense Georges St. Pierre seria um confronto possível para o UFC RIO?
DANA WHITE: Não sei se exatamente para o Rio, acho que teremos de fazer essa luta num território neutro (risos). O que posso dizer é que, se os dois continuarem vencendo, essa luta é bem possível.
Você é um fã do boxe e dono do UFC. Qual o futuro que você vê para o boxe?
DANA WHITE: Sou fã de boxe. Amo o esporte, mas ele hoje tem toneladas de problemas e assim vai continuar. Para ser sincero, com o crescimento do UFC pelo mundo, acho que todos os garotos que estão crescendo vão querer treinar MMA e não mais boxe.
Acredita que o boxe está chegando ao fim?
DANA WHITE: Sim, acredito. Porque o MMA é onde o dinheiro sempre estará. Todos os atletas vão treinar no MMA porque é a modalidade na qual eles poderão se tornar campeões do mundo e ganhar dinheiro também.
Mas nem todos os caras lutam apenas por dinheiro. O boxe permite ao atleta sonhar com um ouro olímpico, por exemplo...
DANA WHITE: Não discordo disso. Mas, quer saber? Eles podem correr atrás da medalha olímpica, o que for. Só que, no fim do dia, vão ter de ganhar dinheiro. É preciso escolher algo que possa garantir sua vida, sustentar sua família, sustentar a si próprio e o MMA é onde o dinheiro vai estar.
E você acha que o MMA pode se tornar um esporte olímpico um dia?
DANA WHITE: Acho que sim. Por que não? Eu espero estar vivo para testemunhar isso. É um sonho meu e eu adoraria vê-lo realizado.
Como você vê os lutadores brasileiros, não apenas no aspecto técnico, mas também em termos de profissionalismo, atitude dentro e fora do octógono...
DANA WHITE: Os melhores lutadores do mundo vêm do Brasil. Se você olhar a quantidade de talentos que surgiu no Brasil nos últimos 15 anos, é algo realmente fantástico. Não sei exatamente o que explica isso, mas acho que é porque foi no Brasil onde tudo começou. Por causa do jiu-jítsu, o MMA realmente teve um impulso no Brasil. Obviamente, os Gracie começaram tudo, mas se tornou algo cultural. Uma cultura da luta que se espalhou por outros países. Mesmo nos Estados Unidos, México e Grã-Bretanha, onde o boxe sempre teve muita força, o MMA ganhou terreno e hoje está espalhado por todo o mundo. Você vê lutadores surgindo no Canadá, na Europa, na Austrália, mas ainda assim é do Brasil que vêm os melhores.
Quanto um ídolo como Anderson Silva chega a ganhar numa luta?
DANA WHITE: (risos). Anderson Silva está rico. Já ganhou muito dinheiro.
Por que tanto segredo com as bolsas dos atletas, ao contrário do que faz o boxe, que faz dos valores uma forma de promover ainda mais o espetáculo?
DANA WHITE: Eu apenas acho que não é importante sair dizendo o quanto os caras ganham. Discordo de muitas coisas feitas no boxe e essa é uma delas. Ficavam sempre dizendo quanto essa luta vale, isso e aquilo... Mas a verdade é que apenas poucos caras conseguiram ganhar muito dinheiro. Muitos largaram o boxe sem ter quase merda nenhuma. O que fazemos no UFC é espalhar mais esse dinheiro. Então, muitos caras que trabalham com a gente ganham muito bem. E há os caras que ganham milhões e milhões de dólares. E o Anderson Silva é um deles.
O Anderson, por sinal, não vem dessa cultura do jiu-jítsu que você citou. Como explicar um fenômeno como ele?
DANA WHITE: Eu sempre disse que acho o Anderson o melhor do mundo peso por peso. E ele tem sido muito criticado pela mídia, pelos fãs... Você pode não achar que as lutas do Anderson Silva sejam sempre as mais emocionantes, em especial aquela infâmia em Abu Dhabi (na qual ele ficou dançando na frente de Demian Maia). Mas não dá para negar que o cara é o melhor do mundo. E ele não é derrotado no UFC desde 2006. É claro que muita gente ficou irritada quando ele começou a fazer cena. Mesmo assim, é preciso admitir que se trata do lutador mais talentoso do mundo. Muita gente tenta dizer que Georges St. Pierre é o melhor e não o Anderson. Eu discordo.
Por que ainda há tanto preconceito em torno do MMA, considerado por muitos como extremamente violento?
DANA WHITE: Acho que é uma questão de gerações. Acho que as novas gerações já abraçaram o MMA como seu esporte e as gerações mais antigas, ainda não. São pessoas que não têm muito conhecimento sobre o esporte e não querem ter, apenas rejeitá-lo. Esses lutadores são artistas, atletas de altíssimo nível. Violência é quando você sai na rua e ataca alguém. Esses caras são profissionais. Há pessoas que não gostam. Então, não assistam. É o que posso dizer para elas.
Como você faz para que os lutadores entendam a importância da imagem para suas carreiras?
DANA WHITE: Eles sabem. Todo ano, fazemos uma espécie de campo de treinamento. Trago todos os caras para Las Vegas e temos uma discussão de dia inteiro sobre todos os temas: como eles devem se comportar, o uso de drogas, esteróides anabolizantes, a importância de eles pagarem seus impostos, etc... Eu deixo bem claro para os caras o que nós esperamos deles.
" Esses lutadores são artistas. Violência é quando você sai na rua e ataca alguém. Esses caras são profissionais. Há pessoas que não gostam. Então, não assistam. É o que digo para elas "
Falando em drogas e esteróides, como é o controle de doping no UFC, já que o evento, por não ser olímpico, não adota o código da WADA, por exemplo?
DANA WHITE: Somos o esporte mais regulamentado do planeta. Somos regulamentados pelo governo americano. Então, toda vez que os lutadores chegam para competir nos Estados Unidos, fazem testes antidrogas e uma série de exames médicos, exigidos pelas autoridades americanas. E isso depende, claro, de cada país onde estamos.
Há algum lutador que você tenha sonhado trazer para o UFC e não tenha conseguido? Fedor Emelianenko, por exemplo...
DANA WHITE: A coisa funciona assim: meu emprego é trazer os melhores lutadores do mundo. Se alguém explode e começa a ser apontado como um dos melhores, eu vou buscá-lo. Sobre o Fedor, quando todos estavam gritando o nome dele, eu fiz tudo que estava ao meu alcance para trazê-lo. Mas ele não quis lutar no UFC. O que vamos fazer? Fiz o que podia, só que hoje as pessoas não gritam mais pedindo Fedor. Ele já não é o melhor.
E o que você pode dizer sobre o Lyoto Machida, que teve um grande início e chegou ao cinturão? É verdade que ele corre o risco de não continuar no UFC se perder novamente (em abril, no UFC 129)?
DANA WHITE: Eu amo o Machida, amo seu estilo, o modo como ele se comporta. E essa próxima luta é muito importante para ele. Vamos ver o que acontece.
Como é a vida familiar de Dana White?
DANA WHITE: Tenho trabalhado muito, viajado bastante por conta do UFC. A única coisa que tento fazer quando estou com tempo livre é ficar o máximo com as crianças. Isso é diversão para mim. Faço o que eles querem, o que eles pedirem. E eles gostam de luta. Meus dois meninos, Dana (8 anos) e Adam (9), já treinam muay thai e wrestling.
E se eles no futuro decidirem que querem lutar no UFC. Como o chefão Dana vai negociar?
WHITE: Obviamente, prefiro que eles não se tornem lutadores. Mas se eles acharem que devem, o que posso fazer?
Você se define como um workaholic? Quando você consegue dar uma pausa de UFC?
DANA WHITE: Sim, eu me considero um. Geralmente, tiro algumas semanas no verão. Às vezes, dois dias aqui, dois dias lá. Mas isso não é importante para mim. A verdade é que nunca dá para descansar. Eu não descanso. Estou sempre envolvido com o trabalho. A marca UFC ficou tão grande e há tantas coisas acontecendo que, todo dia, quando eu levanto da cama, alguma cagada está acontecendo. E eu tenho de lidar com ela.
Se você não fosse presidente do UFC, o que faria da vida?
DANA WHITE: Eu estaria nesse negócio das lutas. Estou nisso minha vida inteira, desde 19 anos de idade. Não me vejo fazendo outra coisa.
De onde vem a sua ligação com esse universo das lutas?
DANA WHITE: Comecei no boxe, era um lutador amador. Então, eu e um amigo de Boston abrimos uma academia e treinávamos garotos do interior. Mas, para ganhar dinheiro, dávamos aulas particulares para homens de negócios, madames... Eram aulas de boxe mais voltadas para o conceito de atividade física. Depois, fui para Las Vegas e abri três academias para ensinar as pessoas a lutar boxe.
Quando você conheceu o UFC, criado pelos Gracie, imaginou que poderia se tornar um negócio tão imenso como é hoje, com uma marca avaliada pela Forbes em US$ 1 bilhão?
DANA WHITE: Conheci o jiu-jítsu através de um cara chamado John Milius, que estava envolvido com o UFC. Então, eu e meus sócios Frank e Lorenzo (outros donos da Zuffa LLC, empresa que administra o UFC), que já estávamos nesse ramo das lutas, caímos de paixão pelo jiu-jítsu e começamos a conhecer os lutadores. Comecei a gerenciar as carreiras de Chuck Liddell e Tito Ortiz. Depois, descobrimos que o UFC estava com problemas e entramos no negócio. Naquela época, meu sócio queria que promovêssemos lutas de boxe. Mas aí eu liguei para ele e disse: "Quer saber? Acho que o UFC está mal e podemos comprar essa empresa". E o fizemos, um mês depois (por US$ 2 milhões, em 2001).
" Muita gente tenta dizer que Georges Saint-Pierre é o melhor, e não o Anderson Silva. Eu discordo "
Quando há uma decisão e você e os irmãos Fertitta têm opiniões divergentes, qual é a que prevalece?
DANA WHITE: (risos) Nós sempre conversamos juntos. Depende do momento, eu digo: "vou fazer assim" e fazemos do meu jeito. Às vezes, eles dizem: "vou fazer isso" e fazemos. Crescemos juntos, fomos amigos de colégio e o importante é que, nos bons e nos maus momentos, continuamos amigos, sócios e respeitamos uns aos outros. Nós lidamos com quase tudo em conjunto. Quando é o caso de um lutador com problema, sou eu que resolvo diretamente 100%. Mas no que diz respeito aos negócios, às lutas, aos lugares para onde expandimos, tudo é decidido em conjunto.
Se Dana White fosse lutador, quem você jamais gostaria de encarar no octógono?
DANA WHITE: (risos) Acho que eu prefiro não ter de encarar ninguém no octógono. Mas quero deixar algo bem claro. Sou o chefe no UFC, mas não tem erro: eu respeito e admiro demais o que os lutadores fazem, como chegam a essa condição, a vida deles como atletas, tudo isso é fantástico, admirável. Talvez por isso tudo eu não consiga me imaginar subindo no octógono para lutar com um deles.
Nesses anos à frente do UFC, há alguma coisa que você se arrepende ter ou não feito?
DANA WHITE: Absolutamente nada. Não tenho arrependimento e não mudaria nada do que fiz até então.
O fato de você, além de dirigente, ser uma celebridade do mundo do MMA, torna as coisas mais fáceis de resolver ou não?
DANA WHITE: Não me sinto como um cara famoso. Aconteceu de eu ser um dos donos de um negócio que as pessoas amam, e elas vêm até mim e me dizem o quanto gostam do que fazemos e do que construímos. Não me considero famoso. Nossos lutadores, sim, são famosos. Gosto de conversar com os fãs, eles me dizem que gostam disso, daquilo, sempre acrescentam.
Você recentemente afirmou que o MMA será o maior esporte do mundo em breve. De onde vem tanto otimismo?
DANA WHITE: Eu sei disso. Absolutamente, eu sei. Tudo o que falei nos últimos 10 anos sobre MMA se tornou realidade. O que me faz acreditar nisso é que esse esporte cruza fronteiras com tamanha facilidade. Não importa a sua cor, o país de onde vem, a língua que você fala... Afinal, no fim das contas, todos somos seres humanos e a luta está no nosso DNA. Nós gostamos disso.
Por que uma luta violenta é algo tão atraente para as pessoas?
DANA WHITE: Não sei exatamente. Eu acredito, sinceramente, mesmo não tendo provas disso, que a luta foi o primeiro esporte na Terra. Antes de o homem empurrar um círculo com uma vareta ou jogar uma bola num círculo, dois homens ficaram juntos numa superfície, alguém deu um soco na cara do outro e outros vieram correndo ver.
O que os fãs brasileiros de MMA podem esperar do UFC RIO? Que tipo de surpresas vocês estão trazendo para o evento?
DANA WHITE: Quero dizer algo às pessoas que vivem no Brasil e veem o UFC pela TV: vocês gostam disso? Vocês acham emocionante? Pois então, esperem até ver o show ao vivo. É o espetáculo esportivo mais emocionante que se pode ver. As pessoas vão explodir de alegria com o show que vamos organizar aí.
http://oglobo.globo.com/esportes/mat/2011/03/20/dana-white-presidente-do-ufc-luta-esta-no-dna-dos-seres-humanos-924048788.asp
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